À Bolina

quarta-feira, abril 27, 2005

Na corrente I

Perfeita Desarmonia

Dói-me o peito de solidão. Não da solidão de estar só e não ter com quem falar, mas da solidão de estar só no meio da multidão! Vejo-me cercado de vultos e vozes, mas eles não me consolam. Em vez disso passam por mim e nem notam que estou aqui. Vejo-me cercado e ao mesmo tempo só.

Não sei se perdi o jeito de estar com os outros ou se por outro lado, fui eu que me deixei embalar pela doce ternura de estar só. Sei que já não consigo fingir que caminho com eles, em grupo, nem sei bem para onde. Em vez disso, prefiro passar o tempo só!
Perdido em pensamentos vãos ou até mesmo sem pensamentos, apenas esgotando o tempo do relógio que insiste em passar pelo meu vulto só. O agora e o daqui a pouco já não se enchem de tarefas por fazer, apenas têm mais silêncio e olhar vazio, apenas espero que passe mais tempo.

Por vezes, contrario essa vontade de isolamento prestando-me a mais e mais tarefas rotineiras. Tenho necessidade que precisem de mim, preciso que o que faço mexa com as pessoas. Mas de tanto querer fazer, encho os meus dias de tarefas que não são minhas, que nem me dão prazer e que cada vez mais só servem para alimentar a farsa de que sou preciso e que ainda faço falta. Não faço!

Já não quero sentir que sou preciso, já não quero fazer as coisas para que precisem de mim. Quero estar só! Quero matar o tempo que falta para acabar mais este dia, ocupar a cabeça com mais e mais pensamentos vãos e depois dormir. E amanhã quero fazer o mesmo! Repetir todos os gestos e deixar de ser preciso. Que seja esquecido dia após dia, já não me importo!

Queria que esta vontade se apagasse com uma borracha e que conseguisse sentir-me menos só. Dizem que tenho capacidade e que precisam de mim, que não vale a pena o isolamento. Mas de que vale ocupar-me com coisas que já não gosto e que me entristece só de pensar em fazê-las?

Estou confuso! Gostava de ter tido mais tempo para aprender contigo. Tu, que tantas vezes arriscaste quando te diziam para não o fazeres. Tu, que mais do que ninguém sabias que conseguias fazer. Mas também te deixaste levar pelas ideias dos outros e não me deste tempo para aprender contigo. Optaste por fugir cedo, abandonaste a vontade que te agarrava à vida e não deixaste que te conhecesse melhor.

Tenho saudades! Tenho saudades dos tempos em que me agarravas e me punhas em cima da mesa da cozinha e falavas só comigo. Queria ter tido tempo para te ouvir mais vezes. Queria ter ouvido todas as tuas histórias no mar e aprender todos os teus truques. Beber nas tuas palavras esse teu jeito tão solitário, mas tão sábio de seres só TU!

Março 2005